quinta-feira, 1 de maio de 2008

O fantasma da máquina



O conto “O Fantasma da Máquina” (2005), de Nelson de Oliveira, tem na figura-fantasma, que opera à semelhança de um vírus de computador, a responsável pela desestruturação da narrativa, desde a própria escrita em visível desordem. É nela que está o fundamento do ato narrativo que, em primeira instância, apresenta o envolvimento amoroso entre um narrador dramatizado e uma personagem feminina – Débora ou Déobra (obra de Deus) – em mutação constante entre a realidade de uma presença (a mulher) e a virtualidade de outra (a obra). Autor, narrador, personagem e texto estão em contínuo movimento de aparecimento-desaparecimento, revelando ao leitor um universo contaminado pela realidade virtual.




O Fantasma --> Ao fantasma cabe uma função singular nesta narrativa. Sua presença é sugerida desde o título, atuando como uma espécie de programador da narrativa, alterando a ordem pré-estabelecida da língua, o ambiente, as personagens e a própria existência do narrador, em sério risco de desaparecimento, o que acabará ocorrendo ao final.
Sua ação poderia se aproximar, talvez, de uma das categorias da narrativa - a do autor implícito - realidade da qual nenhuma narrativa pode abrir mão, pois não é dada à função autoral a possibilidade de desaparecer, por mais que se modifiquem as estratégias que denunciam sua intervenção inferida por traços virtuais da construção textual, à semelhança de um “fantasma da máquina”.
Essa figura fantasmática, que habita um espaço movente entre a existência e a não existência, modifica a estrutura da narrativa e, como se fosse um vírus de computador, se dissemina por todos os existentes da máquina-textual, contaminando-os com a possibilidade do desaparecimento.




Débora --> No começo do texto não há mais “deifício” (trocadilho: dei, do latim deus; aedificare, construir, deificare, divinizar); não há mais opus dei. Momento solene, peal = toque (de sinos). Sem a obra divina, o mundo continua, mas não é mais o mesmo (dez). Surge então Débora, das águas (nascimento mítico, gesto adâmico de volta à origem e à fluidez... do ciberespaço?) (nove). O contato com Débora (o beijo) é a peça (o link) que organiza a realidade, conferindo-lhe sentido (oito); mas Débora é múltipla, sua natureza é matemática, sua matriz numérica (seis) jamais repete as posições (sete). Permanece em aberto. Como encontrar a matriz? A raiz?
Note-se que a presença multisensorial de “Déobra” é construída com a utilização de uma linguagem sinestésica e deliberadamente ambígua: atributos femininos confundidos com os de máquina e/ou andróginos (mamilo lilás, vulva matizada e cheirosa, clitóris envernizado, escapamento, voz de homem ou de secretária eletrônica), gerando estranhamento. Uma personagem que se desfaz para se refazer em outra, num fluxo contínuo entre ser mulher, ser máquina ou ser obra, esta mesma na qual estamos imersos como leitores. E aí está, também, um vínculo a mais com a narrativa num ambiente de ciberespaço.





O narrador entre a existência e a não-existência --> O narrador está presente na história. Trata-se de um narrador dramatizado, seja por ser personagem dela, seja por mostrar a própria experiência de convivência entre dois mundos - o real e o virtual - de forma viva e dinâmica, no aqui e agora do ato narrativo, que partilha, também, com a própria função autoral, ao assumir a responsabilidade pelo construto narrativo, de modo a mostrar que a ficção se apresenta enquanto realidade criadora de mundos possíveis e virtuais, sem a pretensão de “parecer real”.

3 comentários:

Jefferson e Maria Júlia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Esse post ficou o melhor

Meus parabéns

Abraços

Geruza Zelnys disse...

queridos!
não esqueçam de inserir aqui a fonte de onde vcs retiraram esse texto, assim como no Chão de giz, ok?
no caso deste que é um texto acadêmico, insiram nome da revista, autor e endereço eletrônico.
beijos
G.

 
© Papeis Krista '' Por Elke di Barros